Regulação Antimonopólio Chinesa: uma perseguição às big techs?

GECHINA-ASIALAC UnB
6 min readAug 31, 2021

por Maria Luiza da Silva Laranjeiras

Introdução

Um tema que tem ocupado espaço na pauta sobre China de jornalistas ocidentais refere-se às recentes movimentações do governo chinês para regulação e controle de monopólios no país. Nomeado pela mídia internacional de “big tech crackdown”, indicando as duras medidas aplicadas às empresas atingidas, o movimento não tem caráter apenas econômico e pode nos ajudar a entender um pouco mais sobre o funcionamento deste socialismo com características chinesas.

Sendo assim, essa análise objetiva introduzir o tema, demonstrar as razões dessas novas medidas e o modo como estão intrinsecamente conectadas com o modelo chinês. Também busca apresentar no que consistem essas mudanças e o que representam para o país e para o resto do globo.

Situação atual

Nos últimos anos o mercado chinês presenciou um crescimento na indústria das big techs, empresas que prosperaram utilizando-se da, até então, pouca legislação regulatória dos setores da internet, o que possibilitou a consolidação sem grande concorrência (CHANG; GOLDKORN, 2021). Essas corporações chamam atenção do mercado mundial não só pelo seu tamanho, como também pelo seu rápido desenvolvimento. Desde o ano passado, as companhias têm sido o principal foco das duras medidas regulatórias promovidas pelo governo no país.

Seguindo a suspensão da abertura de capitais da Ant Group em novembro (CHANG; GOLDKORN, 2021), o cenário chinês observou cada vez mais alterações nas políticas regulatórias em seu mercado interno, que atingiram dezenas de gigantes da tecnologia como a Tencent, grande investidora da área de comunicação, internet e games (TAN, 2021), que foi indicada a abrir mão dos direitos exclusivos de licenciamento de música. Além disso, os instrumentos e normas reguladoras das atividades atingiram, entre tantas outras, também a área de e-commerce, na qual atua a Alibaba recebendo multa superior a dois bilhões de dólares, justificada na falta de transparência, assinatura de cláusulas de exclusividade e táticas de concorrência abusivas (CHANG; GOLDKORN, 2021).

Na ofensiva mais recente, o setor da educação foi o escolhido e sofreu grandes perdas com a proibição de lucro no setor. Rapidamente, as empresas privadas da educação se expandiram na China durante a pandemia, devido à exploração das tutorias e aulas particulares em ambientes virtuais tanto de professores chineses, como estrangeiros. As principais medidas que se seguiram proibiram a exploração lucrativa desses campos, restringiam o recebimento de investimentos estrangeiros e colocaram empresas bem-sucedidas do ramo à beira da falência (WU, 2021).

O estabelecimento de regulações mais rígidas e um maior controle sobre o crescente mercado das gigantes de tecnologia preocupam investidores e empresários. O movimento teve, acima de tudo, variações quanto às abordagens que colocavam em cheque os excessivos lucros das líderes de cada um dos setores até então atingidos. Nesse contexto, o antitruste na China surge como um instrumento regulatório multifuncional em oposição à simples correção de falhas de mercado (ZHANG, 2021).

O ponto da educação, por exemplo, é interessante à medida que se investigam as razões para a proibição do lucro no setor, essas se dividem em tantos assuntos que seria em vão a tentativa de esgotá-los. A restrição representa, além do controle econômico, uma tentativa de alterar a situação das crianças e adolescentes chineses, que devido à alta competitividade, são submetidos a exaustivas aulas extras (SHŪMIÀN, 2021). Isto é, visa promover maior qualidade de vida e, sobretudo, combater o encarecimento da criação dos filhos no país que atualmente tenta promover o aumento das famílias.

O que representa para o socialismo chinês: entendimentos teóricos

Para aqueles habituados às análises sobre China, termos como planejamento estatal e socialismo de mercado são aparições recorrentes, ainda mais quando se referem à política e economia do país. Apesar de não ser intentada a construção de uma profunda análise, é impossível abordar a temática de políticas antimonopólio sem se estender sobre essas conceituações. No entanto, a maior dificuldade do leitor e estudioso ocidental ao voltar-se para China é desprender-se de caracterizações das produções das ciências sociais e políticas centradas no norte-global e passar a entender as singularidades do país, principalmente no que se trata de seu socialismo com características chinesas.

Assim, como aponta o brasileiro Elias Jabbour (2010, p. 3), o “espetacular crescimento econômico chinês é fruto de uma decisão política e visão estratégica que serve de amparo à maximização do mercado, do planejamento, da iniciativa privada e da propriedade estatal dos meios de produção”. Ou seja, é inegável a importância do planejamento estatal para que fosse possível alcançar tantas metas de desenvolvimento econômico e social.

Ao observar a temática antitruste a partir das escolhas estratégicas do governo chinês ao longo dos anos, é possível constatar que essas são preocupações que se alinham com os conceitos do Partido e essas ações são apenas consequências naturais de políticas públicas estabelecidas. Dessa forma, é definido um modo contrastante perante outras experiências, explicitando: para se entender o marxismo no mundo contemporâneo não se pode ignorar o oriente.

Perspectivas futuras

Em todo caso, o governo chinês indica que vai manter a expansão desse movimento regulatório a diversas esferas da economia (SHŪMIÀN, 2021). Seguindo o ramo da educação, especialistas, empresários e investidores buscam prever os próximos mercados a serem afetados pelas políticas. Recentemente, algumas declarações sobre a indústria dos jogos de videogame têm indicado que este talvez venha a ser o próximo setor regulado (CHANG; GOLDKORN, 2021) e a incerteza do momento faz com que várias empresas empenhem-se em perseguir um alinhamento maior com os objetivos sociais expressos politicamente pelo partido (WILHELM, 2021).

De qualquer modo, ainda que polêmicas, existem aqueles que encaram as novas políticas com otimismo (WILHELM, 2021), como uma chance para o crescimento de um mercado não concentrado e possibilitando que pequenas empresas conquistem mais espaço no crescente mercado consumidor chinês, uma mais que necessária regulação de uma área que cresceu absurdamente nos últimos anos.

O fato é que ainda há muita incerteza sobre os próximos passos desse crackdown. No entanto, é esperado que este seja apenas o começo e é expectável que o fim da concentração de mercados resulte em transformações essenciais na sociedade chinesa. Vários setores da economia têm se atentado ao que pode indicar com mais clareza o direcionamento futuro da experiência socialista na China e as medidas necessárias para adaptar sua atuação em um mercado que deixa de se moldar facilmente aos interesses capitalistas.

REFERÊNCIAS

CHANG, Che; GOLDKORN, Jeremy. China’s ‘Big Tech crackdown’: A guide. Business & Technology. SupChina, 2021. Disponível em: https://supchina.com/2021/08/02/chinas-big-tech-crackdown-a-guide/. Acesso em: 14 de ago. de 2021.

Edição 165 — Variante delta chega a Pequim, Shūmiàn, 02 de agosto de 2021. Disponível em: https://shumian.com.br/2021/08/02/edicao-165-variante-delta-chega-a-pequim/. Acesso em: 15 de ago. de 2021.

JABBOUR, Elias. Projeto nacional, desenvolvimento e socialismo de mercado na China de hoje, 2010. Tese (Doutorado em Geografia (Geografia Humana)) — Universidade de São Paulo, 2010.

TAN, Joanna. China orders Tencent to give up exclusive music licensing rights as crackdown continues, Tech. CNBC, 2021. Disponível em: https://www.cnbc.com/2021/07/24/china-crackdown-antitrust-regulator-orders-tencent-music-to-give-up-music-label-rights.html. Acesso em: 19 de ago. de 2021.

WILHELM, Alex. China’s regulatory crackdown is good news for startups aligned with CCP goals. TechCrunch, 2021. Disponível em: https://techcrunch.com/2021/07/28/chinas-regulatory-crackdown-is-good-news-for-startups-aligned-with-ccp-goals/. Acesso em: 19 de ago. de 2021.

WU, Kane. Private equity firms to scramble for exit after China’s new tutoring rules, Business. Reuters, 2021. Disponível em: https://www.reuters.com/business/private-equity-firms-scramble-exit-after-chinas-new-tutoring-rules-2021-07-27/. Acesso em 18 de ago. de 2021.

ZHANG, Angela. Chinese Antitrust Exceptionalism: How the Rise of China Challenges Global Regulation, Oxford University Press, 2021.

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GECHINA-ASIALAC UnB

Grupo de estudos do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UnB) que se dedica a analisar a China e seu papel no mundo.