Investimento chinês no esporte: um estudo de caso dos Jogos Olímpicos de Tokyo 2020

GECHINA-ASIALAC UnB
8 min readAug 24, 2021

por Amanda Oliveira Peres Torelly

Introdução

O destaque da China no âmbito do esporte não é um fenômeno recente, as inúmeras edições dos jogos olímpicos marcadas pela presença constante de atletas chineses no pódio evidenciam como o país investe em seus atletas e faz do esporte um projeto de Estado que movimenta milhares de yuans todos os anos. As Olimpíadas de Tokyo, apesar de acontecerem em circunstâncias tão peculiares causadas pela pandemia do Coronavírus, não fugiram desse padrão e a delegação chinesa de 413 atletas seguiu a tradição de manter os primeiros lugares no quadro de medalhas. Mas o que está por trás desse sucesso contínuo? Entender as nuances dos interesses estatais na indústria desportiva analisando a mobilização de recursos financeiros e também as movimentações sócio culturais e os aspectos de projeção da imagem internacional é fundamental para explicar a posição de potência esportiva ocupada pela China.

A Indústria do esporte

Além do investimento nos treinamentos dos atletas olímpicos, com programas que são desenvolvidos desde 1980, a China tem apostado vigorosamente em incentivos ao esporte desde o início da vida escolar, e recruta crianças a partir dos quatro anos de idade para treinamento nas mais variadas modalidades, oferecendo oportunidades de bolsas e provendo infraestrutura para o desenvolvimento dos atletas. Nesse ínterim, essas oportunidades desportivas exercem também importante papel no âmbito social, já que os programas desportivos têm atingido positivamente pessoas que ainda se encontram em situações de pobreza ao contemplar os atletas com estes subsídios e oportunidades.

Sabe-se que as verbas destinadas ao esporte são empregadas de formas variadas e gerenciadas pela Administração Geral do Esporte do Estado (SGAS em sua sigla em inglês), sendo parte deste orçamento destinado à construção de infraestrutura, outra parte empregada no treinamento dos atletas e outra, ainda, no fomento ao esporte e em setores diversos dessa indústria. Ademais, o ponto evidente é que a dimensão de movimentação econômica em torno do esporte é enorme, e como demonstração disso está o fato de que espera-se que até o ano de 2025 a indústria do esporte chinesa movimente cerca de 5 trilhões de yuans, algo equivalente a 770 bilhões de dólares. (WANG, 2021)

Entretanto, ao olharmos para outra dimensão fora do âmbito olímpico, têm sido bastante marcantes os esforços chineses na popularização do esporte como um todo, promovendo as práticas nas escolas pensando não só nos prospectos de novos atletas de elite, mas também na promoção de saúde pública e nas possibilidades econômicas, Tendo em vista que incentivando maior contato com esportes que anteriormente eram restritos por serem ocidentalizados, o país está construindo um maior intercâmbio com a indústria esportiva mundial.

Nesse contexto, nos últimos 10 anos, a China incorporou a seu plano de valorização do esporte políticas de incentivo fiscais para indústrias e empresas do ramo esportivo, atraindo investidores, mobilizando o mercado de artigos esportivos, trazendo para times do país atletas estrangeiros, além de promover mais eventos esportivos e investir na popularização e no desenvolvimento de esportes coletivos, a exemplo do vôlei e do futebol, buscando consolidar seu espaço também nestas categorias.

Os investimentos em futebol por exemplo, contam com um Plano de desenvolvimento do futebol a médio e longo prazo 2016–2050 (中国足球中长期发展规划) que envolve a popularização do esporte, influencia questões de saúde pública, e visa impulsionar a indústria desportiva. Além de buscar inserir o país numa posição de destaque também neste esporte, contando com um ambicioso projeto de construir, por exemplo, 20 mil escolas especializadas em futebol e 70 mil campos de futebol. (LEITE JÚNIOR; RODRIGUES, 2018, p. 271)

Essa condução do Estado visando desempenho de excelência no mundo do esporte e marcada pelos fortes investimentos encontra-se organizada e centralizada dentro da pauta governamental desde a criação da SGAS em 1998. Portanto, o desejo do país de se tornar potência esportiva não é algo recente e cresce a cada dia, conforme expressado pelos discursos do atual presidente chinês em diversas ocasiões. Para se ter uma noção da dimensão desse financiamento, em 2016 o governo chines fez à SGAS um repasse de aproximadamente 4,5 bilhões de yuans, o que equivale a cerca de 651 milhões de dólares (CHINA POWER TEAM, 2020)

Nacionalismo e representação internacional

Os esportes foram em diversos momentos da história intimamente interligados a questões de fortalecimento de identidade nacional e usados como instrumento para modificar a imagem dos países, a exemplo das Olimpíadas de 1936 que foram utilizadas como oportunidade de propaganda do regime nazista de Hitler. Entretanto, apesar da participação em eventos desportivos estar estreitamente ligada à valorização da cultura e do orgulho nacional no mundo como um todo, isso se expressa de forma ainda mais evidente na China.

Por certo, tem-se então que as Olimpíadas são uma oportunidade maior ainda de demonstração da potência do país, notadamente são parte da construção de uma imagem positiva, frente aos milhares de telespectadores ao redor do mundo. É evidente que essa noção da importância do esporte na representação internacional se intensificou após o caso de sucesso das Olimpíadas de Pequim de 2008, no qual a China para além de se mostrar potência magnânima no esporte, angariando um total de 100 medalhas, foi capaz de projetar uma imagem de nação moderna, cosmopolita e em crescente desenvolvimento.

Essa visão faz mais sentido ainda no panorama atual se considerarmos os grandes investimentos que o país já fez para sediar pela primeira vez as Olimpíadas de Inverno que ocorrerão em 2022, em um contexto pandêmico, e portanto serão mais uma chance de demonstração da eficiência do país na contenção do vírus e de suas modernizações em um período de recuperação econômica. Nesse sentido, segundo dados do relatório publicado pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, a China pretende construir cerca de 5.000 escolas especializadas em atividades esportivas com foco na prática dos esportes de inverno até o ano de 2025. Para o mesmo ano, o Ministério da Educação chinês tem o plano de atrair 50 milhões de atletas, treinadores, juízes e estudantes (ANDRADE, 2019).

Portanto, é possível concluir que, conforme colocado por Emanuel Leite e Rodrigues [1] o esporte tem se mostrado cada vez mais presente e relevante como ferramenta de soft power nacional, a exemplo dos casos dos países que compõem os BRICS [2] que recentemente foram todos sedes para grandes eventos esportivos:

Não se trata de uma coincidência, nem muito menos de algum fruto do acaso. Apesar de reconhecidos como forças emergentes no cenário econômico mundial, esses países viram no esporte, principalmente na organização dos megaeventos esportivos, a oportunidade de demonstrar de forma mais evidente não apenas pujança econômica mas também, de projetarem a nível mundial outra estatura perante a comunidade global. O novo contexto na estrutura hierárquica da geopolítica desportiva como uma possibilidade de se afirmarem como potências na arena internacional (ALMEIDA; MARCHI JÚNIOR; PIKE, 2013 apud LEITE JÚNIOR; RODRIGUES, 2018. p. 272)

Desempenho olímpico

Não surpreendentemente, os resultados dos atletas chineses demonstram os frutos desses investimentos no esporte. Ficando em segundo lugar no quadro de medalhas de Tokyo 2020, o país totalizou 88 medalhas nas mais variadas modalidades, após acirrada competição com os Estados Unidos, que se consagrou no primeiro lugar após vitórias no último dia de competição. É possível constatar, no entanto, que esse desempenho reflete o maior enfoque chinês nos esportes individuais, como tênis de mesa, badminton e ginástica olímpica. Por esse motivo a China tem traçado uma rota de fortalecimento da cultura de esportes coletivos e da indústria esportiva como um todo.

Outrossim, é possível distinguir como a maior inserção da pauta esportiva na agenda governamental chinesa refletiu-se no seu maior sucesso esportivo, e fica ainda mais evidente como esporte e geopolítica estão entrelaçados, tendo em vista que a China se encontra na quarta posição na contagem geral dos jogos olímpicos modernos possuindo um total de 716 medalhas, pois devido a seu período de isolamento geopolítico após a Revolução Cultural não participou de sete edições dos jogos. Por outro lado, a posição proeminente do país mesmo com essa enorme desvantagem mostra como o Partido Comunista Chinês incorporou essa dimensão esportiva a seu projeto de modernização, pois desde seu retorno ao evento os investimentos aumentaram exponencialmente e a China manteve-se sempre entre os cinco maiores ganhadores no quadro de medalhas (MAIA; PAUTASSO, 2021).

Conclusão

Notoriamente, a indústria do esporte tem ocupado espaço crescente nas metas do governo chinês e atua ativamente como instrumento de soft power do país frente à comunidade internacional. A China tem trilhado um caminho de ampla movimentação e diversificação da sua indústria esportiva, intensificando seus investimentos nos esportes olímpicos, mas também ampliando seu escopo para consolidar a prática desportiva como projeto nacional, o que além de formar atletas de elite, promove a atividade física como questão de saúde pública e incentiva o mercado para novos esportes, a exemplo do futebol. Dessa forma, é possível depreender que esporte, economia e política se encontram intimamente ligados e o sucesso chinês é reflexo também de sua ascensão hegemônica. Por certo, frente aos dados apresentados, fica claro que a indústria do esporte ocupará cada vez mais espaço dentro das forças motrizes da economia chinesa.

[1]Emanuel é Graduado em Direito pela UNICAP e em Comunicação pela UNINASSAU e também doutorando em Políticas Públicas pela Universidade de Aveiro. Carlos é professor auxiliar, diretor do departamento de Ciências Sociais e diretor do mestrado em Estudos Chineses na Universidade de Aveiro.

[2] Sigla referente ao agrupamento de cinco grandes países emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Referências

ALMEIDA, B.S. DE; MARCHI JÚNIOR, W. ; PIKE, E. The 2016 Olympic and Paralympic Games and Brazil’s soft power. Contemporary Social Science, v.9, n.2, 2013.

ANDRADE, D. China gasta bilhões em preparação aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022. Eu quero Investir. 2019. Disponível em: https://www.euqueroinvestir.com/china-gasta-bilhoes-em-preparacao-aos-jogos-olimpicos-de-inverno/. Acesso em: 10 de ago. 2021.

BARDON, S. The Economics of Sport in China: A Maturing Sector. China Perspectives, n. 2008/1, 2008.

CHINA POWER TEAM. How Dominant is China at the Olympic Games?. China Power. 2020. Disponível em: https://chinapower.csis.org/dominant-china-olympic-games/. Acesso em: 11 ago. 2021.

DREYER, M. Memories of the 2008 Beijing Olympics- and what happened next. China Sports Inisider. 2018. Disponível em: https://chinasportsinsider.com/2018/08/16/2008-beijing-olympics-ten-years-on/. Acesso em: 10 ago. 2021.

LEITE JÚNIOR, E; RODRIGUES, C. O futebol na China: do cuju (蹴鞠)ao sonho de se tornar uma potência mundial. Rio de Janeiro: Revista Mosaico, v. 9, n. 14, 2018.

PAUTASSO, D; PARIS MAIA, I. A China na geopolítica das Olimpíadas. Outras Palavras. 2021. Disponível em: https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/a-china-na-geopolitica-das-olimpiadas/. Acesso em: 10 ago. 2021.

TAVARES, P. Olimpíadas: Qual a história da China nos Jogos Olímpicos. Fala Universidades. 2021. Disponível em: https://falauniversidades.com.br/olimpiadas-qual-a-historia-da-china-nos-jogos-olimpicos/. Acesso em: 12 ago. 2021.

UPTON, P. Opportunity for Big Growth in China´s Sports Industry. China Briefing. 2019. Disponível em: https://www.china-briefing.com/news/opportunity-big-growth-chinas-sports-industry/. Acesso em: 11 ago. 2021.

WANG, S. China fecha Olimpíadas com 88 medalhas e mostra poder de sua indústria esportiva. 2021. Disponível em: https://china2brazil.com.br/china-fecha-olimpiadas-com-88-medalhas-e-mostra-poder-de-sua-industria-esportiva/. Acesso em: 12 ago. 2021.

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GECHINA-ASIALAC UnB

Grupo de estudos do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UnB) que se dedica a analisar a China e seu papel no mundo.