Fuso Horário da China

GECHINA-ASIALAC UnB
GECHINA-ASIALAC UnB
7 min readSep 21, 2021

--

Eduardo Guerra Araujo

História do fuso horário

O tempo pode ser definido como a duração de fatos ou o intervalo entre dois acontecimentos, ao longo da história da humanidade, o tempo foi fulcral para planejar colheitas, comércio, viagens e estratégias de guerra. Mesmo ele sendo um fenômeno constante no universo, a forma como ele é medido e utilizado variou pelas comunidades, por registros históricos de tempos passados, cada nação e povo media e definia o tempo de uma forma diferente. Em uma época quando viagens e contatos com povos distantes eram raros, não havia um senso de unificar o conceito de tempo, portanto a pessoa devia se adequar à região que estivesse, pois lá, a ideia que se tinha sobre temporalidade era um consenso.

Todavia, conforme a Revolução Industrial e a popularização das grandes navegações, tornou-se comum e viável o comércio e o fluxo entre os continentes, e assim surgiu a necessidade de padronizar as medidas de tempo para facilitar conexões e comércio. Foi então que, em 1883, foi definido, em conjunto com grandes empresas, a medida de hora que hoje é padrão, sessenta minutos, com 60 segundos cada, para facilitar transações. O Reino Unido foi o pioneiro, com a companhia ferroviária Great Western Railway adotando e consolidando o fuso horário único do país.

Em 1884, foi realizada em Washington a Conferência Internacional do Primeiro Meridiano, com o objetivo de padronizar as mudanças de hora para todo o planeta, respeitando cálculos geográficos, astronômicos e divisões geopolíticas da época. Nela, foi adotada a teoria de Fleming [1], em homenagem ao senador canadense que anos antes propôs a divisão da superfície em vinte e quatro fusos, cada um abrangendo 15º de longitude da esfera terrestre. O marco zero, ou longitude 0º, foi definido como o Observatório Real de Greenwich, a leste de Londres, pois representava o maior centro de análise astronômica da maior nação da época, o Império Britânico.

Utilizando da Lei de Aldrin [2], foi determinado cálculo de diferenças de hora para cada região ou fuso: descobrir quantos graus longitudinais há entre as duas regiões, em seguida dividir por quinze, por causa dos 15º de Fleming, para assim encontrar a quantos fusos os dois locais estão de distância. Ao longo dos anos, muitas mudanças foram feitas para adequar às novas realidades internacionais e divisões políticas, a adição de conceitos de horário de verão na Segunda Guerra Mundial, jet lag se tornou uma constante com a aviação e o GMT (Greenwich Mean Time) se tornou comum na vida de todos tal como medidas de peso, distância, temperatura e tempo.

Tempo chinês antes de 1949

A China, sendo um dos locais mais antigos de colonização humana, teve que lidar com diferentes governos e sociedades por milênios, cada um com uma concepção de tempo distinta. Sendo ela uma região com um comércio interno enorme e um dos pontos principais das grandes navegações e da exploração europeia, era previsível que em um momento, algumas regras deveriam ser consensuais, incluindo os fusos horários.

Fusos horários da China antes de 1949 extraído da fonte Time and date

Desde 1883, quando o GMT foi estabelecido, a China não possuía ainda um senso de nacionalidade, eram diversas dinastias e governos que guerreavam constantemente no país. Mas, em 1911, com a queda da Dinastia Qing, algumas mudanças foram tomadas, a República definiu 5 fusos diferentes, em Zhongyuan, Longshu, Tibet, Kunlun e Changbai; que significavam uma diferença de 5h30 à 8h30 a menos em relação a Greenwich. E dessa forma, a China se mostrou ao mundo ocidental como uma nação desenvolvida e unida em prol do comércio e do intercâmbio de culturas.

Tempo chinês pós Revolução

Todavia, em 1949, com a vitória dos comunistas liderados por Mao Tse-Tung diante dos nacionalistas de Chiang Kai-Shek e o estabelecimento da República Popular da China, houve uma reviravolta na política e na cultura do governo e da sociedade de antes da Revolução. Dentre tantas mudanças, o entendimento da unidade nacional em forma dos padrões de fusos horários ‘impostos’ pelos ocidentais.

Fusos horários da China desde 1949. Fonte: Jakub Marian.

Consequências na vida e na economia chinesa

Essa nova lei, que já faz mais de setenta anos de sua implementação, traz até hoje diversas consequências na vida das pessoas e na rotina de trabalho. Por exemplo, enquanto são 8h da manhã em Pequim, também são 8h da manhã em Urumqi, no extremo oeste do país, que normalmente estaria 4h atrás, às 4h da manhã. Esse é o caso mais delicado, mas outras cidades no oeste chinês sofrem com isso, impactando desde a saúde física e mental dos civis até indústrias e colheitas.

Não obstante, a ideia de um fuso horário único fazia e fez sentido na época de Mao pois a maioria da indústria se concentrava na parte leste da China, onde há 90% da população de acordo com a World Population Review. Atualmente, porém, a demografia e o perfil geográfico da economia chinesa é bem diferente, com muitas cidades do oeste e do interior do país se desenvolvendo, sobretudo desde os anos 2000, fazendo com que a questão do fuso horário fosse cada vez mais problemática.

Com as metas ousadas do Partido Comunista Chinês de tornar a China a potência hegemônica global, certificar que a indústria e a população está ativa e produzindo significa garantir uma rotina e uma cultura apropriada. Isto não pode ser alcançado com perfeição se os trabalhadores acordam às 3h da manhã, no que seria o fuso indicado pela longitude, para produzir capital. A agricultura também é afetada, pois plantações não obedecem fusos, elas seguem conforme o Sol e a temperatura, logo, o trabalho de colheita e transporte de alimentos e commodities é impactado pelo fuso e pelo horário natural, que estão em passos bem distintos.

Outro tópico a ser considerado é a saúde física e comportamental das pessoas afetadas pelo fuso único, principalmente no oeste, onde seus ciclos circadianos ou seu relógio biológico é altamente prejudicado pela rotina exaustiva de trabalho, enquanto o corpo enfrenta tipos de luminosidade diferente do’ normal’ para a fisiologia humana. Mesmo que seja já um hábito para eles, que vivem isso há setenta anos, algumas questões físicas e mentais vão além do hábito. Além disso, hoje, os chineses têm grandes economias locais que são interligadas, logo, fazer negócios com cidades distantes entre si mas com o mesmo fuso impactam negativamente o fenômeno de conexão e integração.

O fuso único transparece outro problema na região de Xinjiang, no extremo oeste, onde habitam os povos Uigures, uma minoria étnica muçulmana chinesa. Com isso, escolas, transportes e comércios têm horários de funcionamento bem fora do comum, outra forma que prejudica esta comunidade, a qual já é muito explorada pelo governo de Pequim, um episódio que é negado mas a comunidade internacional tem provas da existência de campos onde ocorre uma repressão dos Uigures. Eles são os mais afetados pela distância de 4h em relação ao padrão.

Considerações Finais

Várias regiões e províncias criticam a adoção do fuso único, muitas propostas já foram apresentadas e estudadas, mas a sociedade acredita que o Partido Comunista dificilmente voltará aos padrões antes da Revolução, como forma de manter a unidade política e cultura que o regime prega há setenta anos.

Enquanto isso, permanece o fenômeno curioso e controverso da política chinesa de aplicar no quarto maior país do mundo, com a maior população, de 1,4 bilhão de pessoas, e na maior economia emergente da atualidade. É singular ter apenas um fuso horário numa região que precisaria de 4 para manter a proporcionalidade e o respeito aos fenômenos naturais do planeta e ao ciclo natural da rotina do ser humano.

Além do impacto interno de identidade, cultura e comércio, o mundo globalizado atual sabe da relevância das convenções internacionais de medidas, principalmente de fuso horário. A prática da China prejudica essa interação com o resto do mundo e principalmente de nações próximas, como Índia, Paquistão e Bangladesh, que deveriam ter fusos horários iguais a regiões do centro-oeste chinês, mas que pelo contrário, ficam sujeitos ao padrão de Pequim para interagir e fazer negócios.

[1] Sandford Fleming era senador do Canadá em 1878 quando fez um estudo sugerindo um padrão global de fusos, com base nas longitudes e na incidência de Sol ao longo dos dias

[2] Lei de Aldrin é o método que determina, por meio de aproximações matemáticas e astronômicas, a diferença de fusos entre dois pontos na superfície terrestre.

REFERÊNCIAS

China Link Trading. O FUSO HORÁRIO ÚNICO NA CHINA: PRATICIDADE OU INCONVENIÊNCIA. Disponível em: https://www.chinalinktrading.com/blog/fuso-horario-unico-china/ Acesso em 11 de set. de 2021.

Guelcos. FUSO HORÁRIO DA CHINA E COMO ELE PODE IMPACTAR UMA NEGOCIAÇÃO. Disponível em: https://guelcos.com.br/conteudo/importacao/fuso-horario-da-china-e-como-ele-pode-impactar-uma-negociacao/ Acesso em 12 de set. de 2021.

Jakub Marian. 5 WEIRD THINGS YOU DIDN’T KNOW ABOUT TIME ZONES. Disponível em: https://jakubmarian.com/5-weird-things-you-didnt-know-about-time-zones/ Acesso em 12 de set. de 2021.

Significados. TEMPO. Disponível em: https://www.significados.com.br/tempo/ Acesso em 11 de set. de 2021.

Time and Date. WHY IS THERE ONLY 1 TIME ZONE. Disponível em: https://www.timeanddate.com/time/china/one-time-zone.html Acesso em 12 de set. de 2021.

Wikipedia. FUSO HORÁRIO. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fuso_hor%C3%A1rio Acesso em 11 de set. de 2021.

World Population Review. CHINA POPULATION 2021. Disponível em: https://worldpopulationreview.com/countries/china-population Acesso em 12 de set. de 2021.

--

--

GECHINA-ASIALAC UnB
GECHINA-ASIALAC UnB

Grupo de estudos do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UnB) que se dedica a analisar a China e seu papel no mundo.