Disputas no Mar do Sul da China: geopolítica e economia

GECHINA-ASIALAC UnB
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8 min readSep 8, 2021

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por Lucas Farias Gomes (lucasfgomes1825@outlook.com)

Introdução

No ano de 2021, o Mar do Sul da China esteve entre os assuntos internacionais de maior destaque. A constante movimentação de navios de países tradicionalmente alinhados aos EUA no Mar Do Sul da China é uma das questões mais complicadas nas relações entre esses países e a China. Em fevereiro, a França enviou dois de seus navios àquele mar (ZHANG, 2021); em julho, o Reino Unido enviou um de seus mais novos navios, o porta-aviões HMS Queen Elizabeth, que contou também com a participação de navios e aviões dos EUA (LENDON, 2021); em agosto, foi a vez da Alemanha, numa manobra inédita em quase duas décadas (SIEBOLD, 2021). Toda essa movimentação é tratada com repúdio pelo governo chinês e como uma interferência nos assuntos chineses (SPEAKMAN, 2021).

Este artigo propõe analisar as motivações que fazem com que o Mar do Sul da China seja importante na ponderação das relações internacionais chinesas. Numa tentativa de mitigar as constantes provocações e ameaças aos seus interesses na região, o governo de Pequim tem tomado ações mais assertivas e diretas, através de exercícios militares e construção de entrepostos e ilhas artificiais, numa tentativa de assegurar sua posição na região. Para melhor compreender a posição do Mar do Sul da China nos interesses chineses, é relevante explorar os dois aspectos que a envolvem: a questão geopolítica, centrada nos interesses territoriais e de segurança; e as considerações econômicas, que envolvem não somente aspectos de tráfego de navios, como também seus recursos naturais e atividades pesqueiras.

Motivações geopolíticas

As regiões fronteiriças são de interesse central para a política externa chinesa. A China mantém disputas de fronteiras marítimas no Mar do Sul da China com Brunei, Filipinas, Malásia, Indonésia e Vietnã, além de Taiwan, que, para Pequim, é uma província rebelde (COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS, 2021). As disputas se dão sobre a administração das águas e da soberania sobre ilhas, recifes e outras formações naturais da região. A China reivindica para si o controle de boa parte do Mar do Sul da China. Para isso, utiliza um mapa de 1953 que apresenta a Linha das Nove Raias (BEECH, 2016). Essa demarcação engloba mais da metade das águas do Mar do Sul da China. Dois arquipélagos da região merecem destaque, as Ilhas Paracel e as Ilhas Spratly, que são o cerne da disputa entre os países da região. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) estabelece a chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que é uma delimitação marítima que indica que países têm direito exclusivo de exploração de recursos marítimos numa distância de 200 milhas náuticas a partir da costa. Isso significa que quem tiver posse dos dois arquipélagos terá controle considerável sobre a zona econômica exclusiva no Mar do Sul da China.

As Ilhas Paracel são disputadas por China, Vietnã e Taiwan, estando atualmente sob ocupação e controle chinês (COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS, 2020). As Ilhas Spratly, por sua vez, são disputadas por Brunei, China, Filipinas, Malásia, Taiwan e Vietnã, constituindo a parte mais complicada das disputas no Mar do Sul da China, pois as principais estruturas marítimas do arquipélago estão ocupadas atualmente por todos os países que as disputam, com exceção de Brunei (ASIA MARITIME TRANSPARENCY INITIATIVE, 2016). Em 2013, as Filipinas entraram com uma queixa contra a China na Corte Permanente de Arbitragem, na Haia, no tocante à Linha das Nove Raias chinesa. Em 2016, a corte julgou favoravelmente às Filipinas, contrariando a Linha das Nove Raias (PERLEZ, 2016). O governo chinês descartou a decisão da corte, afirmando que ela não tinha jurisdição sobre o caso (PERLEZ, 2016).

A presença de forças navais estrangeiras no Mar do Sul da China é outro motivo de atenção para o governo chinês. Países da América do Norte e Europa, como EUA, Reino Unido, França e Canadá, sempre marcam presença na região, através de passagem de embarcações e exercícios militares (JENNINGS, 2021). Países da Ásia e Oceania, como Índia, Japão e Austrália, também estão envolvidos em atividades navais naquele mar. Embora esses países não possuam reivindicações territoriais no Mar do Sul da China, pois estão geograficamente afastados, um de seus principais interesses é manter o governo de Pequim sob pressão e alavancar discursos favoráveis à países mais alinhados aos seus interesses, como Vietnã e Filipinas (JENNINGS, 2021). Os EUA, em particular, realizam constantes operações de garantia de liberdade de navegação na região, algo condenável pelos chineses, que veem tais atividades como uma forma de interferência nos seus assuntos internos (SPEAKMAN, 2021).

Para contornar essa situação, a China vem tomando ações assertivas na região desde 2013, construindo ilhas artificiais, notadamente nos arquipélagos Paracel e Spratly . A construção de ilhas artificiais não é uma exclusividade chinesa; o Vietnã também realiza procedimentos semelhantes (BENDER, 2016). Além da construção de ilhas artificiais, a China, assim como Vietnã, tem militarizado a região construindo entrepostos militares, como pistas de decolagem e bases militares (ASIA MARITIME TRANSPARENCY INITIATIVE, 2017).

Motivações econômicas

Questões econômicas, como rotas de comércio e recursos naturais, também despertam o interesse chinês no Mar do Sul da China. O comércio internacional se faz majoritariamente por vias marítimas, daí a importância do Mar do Sul da China, por onde passa cerca de um terço do comércio marítimo global (US$ 3,37 trilhões, em 2016) (CHINA POWER TEAM, 2017). O Mar do Sul da China conecta os principais portos chineses ao Estreito de Malaca, um dos principais pontos de estrangulamento do comércio global que conecta o Oriente Médio ao Leste Asiático e onde passa mais da metade das importações de petróleo e gás chinesas (PASZAK, 2021).

Outro aspecto econômico que concerne o Mar do Sul da China é em relação aos recursos naturais. Embora a principal motivação chinesa na região seja a questão de acesso, a exploração de recursos como petróleo e pesca também é importante (BUSSERT, 2014). Estima-se que o mar tenha reservas de cerca de 5,38 trilhões de metros cúbicos de gás natural e cerca de 11 bilhões de barris de petróleo (ASIA MARITIME TRANSPARENCY INITIATIVE, 2018). Além disso, a pesca no Mar do Sul da China representa cerca de 12% do total global e cerca de metade dos navios pesqueiros do mundo operam naquele mar (POLING, 2019). Possíveis conflitos na região poriam a atividade em risco. A China tem utilizado suas forças para controlar o fluxo pesqueiro na região, através do que é conhecido como milícia pesqueira. Contudo, o emprego de atividades conjuntas entre civis e militares na atividade pesqueira não é exclusivo da China; o Vietnã também utiliza tática similar (JENNINGS, 2021).

Considerações finais

O Mar do Sul da China está no cerne das relações internacionais chinesas contemporâneas. Trata-se de local estratégico por ser ponto de constante presença estrangeira, especialmente de adversários da China. O Mar do Sul da China é, também, um dos mais importantes corredores marítimos do mundo, sendo de suma importância para o comércio chinês. Além disso, é uma valiosa reserva de recursos naturais, a exemplo da pesca, que é explorada pelos países da região. O Mar do Sul da China é, portanto, um dos pontos de disputas globais mais importantes do século XXI. Dada a complexidade da situação que a envolve, sem perspectivas de solução a curto prazo, o Mar do Sul da China tende a continuar sendo um dos grandes palcos de embate entre a China e as potências ocidentais e vizinhas, além de tensões com países do sudeste asiático.

REFERÊNCIAS

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ASIA MARITIME TRANSPARENCY INITIATIVE. Chinese Power Projection Capabilities in the South China Sea. Asia Maritime Transparency Initiative, 2017. Disponível em: <https://amti.csis.org/chinese-power-projection/>. Acesso em: 27 ago. 2021.

ASIA MARITIME TRANSPARENCY INITIATIVE. South China Sea Energy Exploration and Development. Asia Maritime Transparency Initiative, 2018. Disponível em: <https://amti.csis.org/south-china-sea-energy-exploration-and-development/>. Acesso em: 28 ago. 2021.

ASIA MARITIME TRANSPARENCY INITIATIVE. South China Sea Features. Asia Maritime Transparency Initiative, 2016. Disponível em: <https://amti.csis.org/scs-features-map/>. Acesso em: 26 ago. 2021.

BEECH, H. Just Where Exactly Did China Get the South China Sea Nine-Dash Line From? Time, 2016. Disponível em: <https://time.com/4412191/nine-dash-line-9-south-china-sea/>. Acesso em: 26 ago. 2021.

BENDER, J. China isn’t the only one building islands in the South China Sea. Business Insider, 2016. Disponível em: <https://www.businessinsider.com/vietnam-building-islands-in-south-china-sea-2016-5>. Acesso em: 27 ago. 2021.

BUSSERT, J. C. Access, Not Oil, Fuels China’s South China Sea Policy. Signal, v. 68, n. 10, p. 29–31, jun. 2014. Disponível em: <https://www.proquest.com/trade-journals/access-not-oil-fuels-chinas-south-china-sea/docview/1540484331/se-2?accountid=26646>.

CHINA POWER TEAM. How Much Trade Transits the South China Sea? ChinaPower, 2021. Disponível em: <https://chinapower.csis.org/much-trade-transits-south-china-sea/>. Acesso em: 27 ago. 2021.

COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. China’s Maritime Disputes. Council on Foreign Relations, 2020. Disponível em: <https://www.cfr.org/timeline/chinas-maritime-disputes>. Acesso em: 26 ago. 2021.

COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. Territorial Disputes in the South China Sea. Council on Foreign Relations, 2021. Disponível em: <https://www.cfr.org/global-conflict-tracker/conflict/territorial-disputes-south-china-sea>. Acesso em: 25 ago. 2021.

JENNINGS, R. Analysts: Vietnam Expanding Fishing Militia In South China Sea. Voice of America News, 2021. Disponível em: <https://www.voanews.com/east-asia-pacific/analysts-vietnam-expanding-fishing-militia-south-china-sea>. Acesso em: 28 ago. 2021a.

______. Western Countries Send Ships to South China Sea in Pushback Against Beijing. Voice of America News, 2021. Disponível em: <https://www.voanews.com/east-asia-pacific/voa-news-china/western-countries-send-ships-south-china-sea-pushback-against>. Acesso em: 25 ago. 2021b.

LENDON, B. UK’s HMS Queen Elizabeth aircraft carrier pictured in South China Sea. CNN, 2021. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2021/07/30/asia/south-china-sea-military-activity-hms-queen-elizabeth-intl-hnk-ml/index.html>. Acesso em: 25 ago. 2021.

PASZAK, P. China and the “Malacca Dilemma”. Warsaw Institute, 2021. Disponível em: <https://warsawinstitute.org/china-malacca-dilemma/>. Acesso em: 27 ago. 2021.

PERLEZ, J. Philippines v. China: Q. and A. on South China Sea Case. The New York Times, 2016. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2016/07/11/world/asia/south-china-sea-philippines-hague.html>. Acesso em: 28 ago. 2021.

POLING, G. B. Illuminating the South China Sea’s Dark Fishing Fleets. Center for Strategic and International Studies, 2019. Disponível em: <https://ocean.csis.org/spotlights/illuminating-the-south-china-seas-dark-fishing-fleets/>. Acesso em: 28 ago. 2021.

SIEBOLD, Sabine. German warship heads for South China Sea amid tension with Beijing. Reuters, 2021. Disponível em: <https://www.reuters.com/world/china/german-warship-heads-south-china-sea-amid-tension-with-beijing-2021-08-02/>. Acesso em: 26 ago. 2021.

SPEAKMAN, Colin. Why are Western countries meddling in the South China Sea?. China Daily, 2021. Disponível em: <https://www.chinadaily.com.cn/a/202106/25/WS60d52d11a31024ad0bacb6cd.html>. Acesso em: 2 set. 2021.

ZHANG, Rachel. South China Sea: why France is flexing its muscles in the contested waters. South China Morning Post, 2021. Disponível em: <https://www.scmp.com/news/china/diplomacy/article/3123342/south-china-sea-why-france-flexing-its-muscles-contested>. Acesso em: 26 ago. 2021.

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Grupo de estudos do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UnB) que se dedica a analisar a China e seu papel no mundo.