A visão de longo prazo chinesa, a ser plantada em terra brasilis

GECHINA-ASIALAC UnB

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por: Caio Lima Rezende

A presente análise visa apresentar de forma sucinta o quanto que a carência de uma perspectiva de longo prazo no Brasil está na raiz de profundas dificuldades que este país enfrenta no âmbito social, político e econômico, nos quais a China atinge a excelência justamente por ter em suas raízes culturais a valorização do pensar além do horizonte.

Na obra os Analectos de Confúcio há a seguinte máxima “Deve-se dar atenção ao fim e buscar o que está longe. Eis como se aprofunda a virtude do povo¹”. Este Analecto de Confúcio faz referência aos rituais fúnebres que eram ocasião de prestar honra aos antepassados, bem como ocasião para olhar diante o futuro com o compromisso de nos próprios comportamentos honrarem a tradição recebida pelos antepassados.

O valor moral e existencial apresentado na passagem da obra de Confúcio está tão enraizado na cultura chinesa que se pode dizer, nas palavras da professora Ju Bao² 保师, que a China é uma civilização, em conexão direta com o passado.

A civilização chinesa se desenvolveu atrelada à concepção de que é importante conhecer as próprias raízes e a própria história, como um modo de prestar culto aos antepassados, bem como uma forma de prudente busca pelo autoconhecimento.

Aliada a esta percepção vem a preocupação dos chineses com a longevidade, no sentido de buscar-se envelhecer preservando a própria saúde e lucidez, procurando se comprazer, em se tornar um sábio ancião ou sábia anciã, para que, ao envelhecer, possa ser possível ao indivíduo tornar-se uma referência para a própria sociedade.

No Brasil a cosmovisão do indivíduo é profundamente diferente, o brasileiro enxerga o tempo de uma forma pontilhista, aqui no significado dado por Zygmunt Bauman³, visão esta própria de uma perspectiva existencial narcisista, que, para a psicologia, atribui-se, no desenvolvimento humano, aos adolescentes.

Pode-se afirmar que uma enorme quantidade de problemas sociais enfrentados pelo Brasil deriva desta mentalidade focada no aqui e agora. A chamada “Lei de Gerson”, também conhecida como a lei do tirar vantagem ou de sempre sobrepor o interesse pessoal ao interesse público, pode até trazer para o indivíduo um benefício momentâneo, porém destrói a sua reputação, no médio e longo prazo e atenta contra o bem comum.

Além disso na esfera individual o brasileiro, em sua imediatez, tende a não fazer reservas ou aplicações financeiras para a própria velhice, se alimentando mal, abusando no uso do álcool e sofrendo no fim da vida com um sistema previdenciário e de saúde pública que o deixarão desassistidos, até porque os gestores públicos eleitos, em sua maioria, estão imbuídos da mesma mentalidade individualista e focada no curto prazo. agora.

Na sociedade de mercado da economia brasileira o quadro é semelhante, o empresário vê a empresa e seus funcionários como um meio para acumular riquezas, em um curto intervalo de tempo, para que então ele possa realizar o sonho de ter enriquecido o suficiente para não mais ter que trabalhar. Ocorre que agindo assim ele compromete a viabilidade econômica de sua empresa, no médio e longo prazo, e acaba tendo que submeter os seus funcionários a salários baixos o que agrava a desigualdade social, que aumenta a calamitosa violência urbana brasileira.

O empresário aludido acima acaba por se tornar um dos principais reféns desta violência de modo a lhe restar reclamar do seu país, ameaçando dele emigrar, avocando a velha mentalidade do garimpeiro que vindo de Portugal, para Ouro Preto-MG, sonhava em poder voltar à terra de origem e morar em uma luxuosa casa além do rio Tejo.

Mesmo diante de um quadro sócio cultural desolador como este, ainda há esperança para o Brasil, vale lembrar que, no tempo de Confúcio, a dinastia Zhou estava, em decadência moral e política, porém Confúcio e seus alunos perseveraram, no Tao, caminho de transcendência proposto por Confúcio, que consistia em uma educação onde o estudo era intimamente amalgamado à prática de modo que se buscasse a transformação do indivíduo e não só a sua instrução.

No médio e longo prazo os frutos que os discípulos de Confúcio colheram, contagiaram a China como um todo, de modo que todas as dinastias chinesas posteriores adotaram os valores do confucionismo como base para a administração pública, para o sistema educacional do povo chinês e para a diplomacia chinesa.

Naturalmente surge a inquietação referente a como semear no solo do tecido social brasileiro estes valores, por coincidência, na época de Confúcio, este foi questionado quanto a como imiscuir os seus valores entre o povo chinês, conforme pode-se ler no seguinte analecto de Confúcio “ O duque de Qi perguntou: “ Como agir de modo que o povo obedeça? “ Confúcio respondeu: “ Dê oportunidade às pessoas direitas e coloque-as acima das pessoas desonestas assim o povo obedecerá. Dê oportunidade às pessoas desonestas e coloque-as acima das pessoas direitas, assim o povo não obedecerá¹”.

Pela resposta dada por Confúcio, podemos ver que os gestores públicos brasileiros seguiram o caminho justamente oposto, nos últimos anos, deu-se autoridade para quem não tinha maturidade ou integridade moral para exercer o respectivo cargo, desta forma, olhando para frente, é possível identificar uma nova rota que o Brasil deve seguir a partir do aludido analecto.

Mas talvez a alteração no quadro político mencionado, no parágrafo anterior talvez só possa vir a acontecer se a sociedade civil organizada, ainda que em pequenos núcleos, fizer como os discípulos de Confúcio, se dedicar à educação do povo, agindo como fermento em uma massa, indo pouco a apouco contagiando cada vez mais parcelas da sociedade de modo que, no longo prazo, possam por seus frutos contagiar a sociedade rumo a uma alteração no quadro dos representantes eleitos.

Assim, pode-se concluir que uma educação ética, que dissemine, na sociedade brasileira, os valores caros ao confucionismo, relativos à valorização do estudo da própria história e ao pensar responsavelmente o próprio futuro, poderiam fazer da nação brasileira uma sociedade com mais amor próprio, amor ao próximo e amor ao próprio país.

REFERÊNCIAS

¹ CONFÚCIO, OS ANALECTOS/CONFÚCIO; tradução, comentários e notas Giordio Sinedino.- São Paulo: Editora Unesp. 2012.

²ERA UMA VEZ NA CHINA, Ju Bao, 保师, curso online disponível em, https://www.youtube.com/watch?v=PRW96zE265Y&t=2038s.

³MODERNIDADE LÍQUIDA/Zygmunt Bauman; tradução, Plínio Dentzien.-Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2001.

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GECHINA-ASIALAC UnB

Grupo de estudos do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UnB) que se dedica a analisar a China e seu papel no mundo.